30.9.04

QUINTA-FEIRA


Maldita quinta-feira chata como a quarta-feira ou como a terça ou a segunda, dia sem sal em que nada acontece, o mundo parou empacou não gira mais não funciona não trepida não faz nada, não adianta dar corda que não presta mais quebrou total saiu dos eixos e agora babau, entrou em greve voltou à rotina puxou o breque de mão e tudo continua em seu lugar nas suas atividades normais e o que é pior é que é chato chato muito chato estou de mau humor aqui nada muda e é incrível os hipocondríacos continuam falando de correntes de ar termômetros otorrinolaringologistas hospitais comprimidos injeções remédios decretos despachos café como tirar mancha de chocolate da roupa pontos facultativos dietas alimentícias é um tédio; queria poder voar por cima destes prédios até um lugar todo verde grama verde árvores verdinhas água verde pessoas verdes mesas de sinuca verdes céu verde aqui só tem mesas verde-aguado pastas de processo verdes e tem também duas plantinhas na janela que dá pro nada não há nada naqueles prédios da frente nem nos viadutos nem na rua São Bento nada de bom nem de mau e nem de interessante, tudo indiferente, todo mundo é tão expressivo quanto um coqueiro, só que não fazem sombra, e às vezes odeio todo mundo e tenho nojo da humanidade são repugnantes muito feios você só entenderia isso trabalhando em uma sala no centro da cidade; este lugar não existe estas pessoas não existem são um pesadelo alucinações procedentes do uso prolongado de psicotrópicos é um efeito atrasado daqueles champignons do strgonoff com vodka Orloff que eu comi em mil-e-novecentos-e-noventa-e-um, só pode ser não quero ouvir mais nada vozes buzinas xerox telefones; e agora foda-se deixa que o mundo faça comigo o que quiser mas que não me confunda pelo menos custa muito deixar ao menos a minha cabeça em paz como não fugir da realidade se não há meios de sair honradamente se eu ficar entre a espada e a parede eu só sei sair pela tangente o mundo continua rodando como sempre pra direita infelizmente mas aqui a gente nem liga, só vê o sol que nasce o sol se põe e nasce e é lindo a gente têm noção exata da amplidão do universo e da extensão da vida além do cotidiano terrestre o mundo além dessas quatro paredes de onde não vejo o sol se pondo atrás do Mappin nem nascendo atrás do Banespa por isso é que a vida da gente é tão densa e intensa, é porque tem pouco espaço físico e mental pra existir mas a gente existe assim mesmo e minha confusão mental desapareceu dando lugar ao vazio tédio existencial monumental aborrecimento mau humor cósmico bode bode bode oxalá minhas dúvidas e angústias fossem crises existenciais aí um tanque de roupa suja resolvia mas nem isso é; é bode mesmo, hipotenusas apocalípticas divagações holocáusticas merda radioativa tiros holográficos de soda cáustica tempestades elétricas plásticas e estroboscópicas se não almoçar tédio janto indigestos sacos estourando feito balões na estratosfera não quero ouvir mais essas vozes monótonas e vou me trancar no banheiro, não estou feliz nem triste estou é de saco cheio quero sumir; vem me tirar daqui energia cósmica onipotente senão eu tenho um troço! ia ser um desperdício hoje é apenas quinta feira se eu não acabar com este mau humor ele é que acaba comigo eu fico um porre ninguém entende e quem entende não agüenta e quem me agüenta sou eu que não tenho saco; o mundo não é totalmente coincidente, não mesmo mas é divertido pra passar as férias, não pra morar, aí é uma bosta, vou me mudar pra Vênus vai ser legal tchau papi bye mami inté galera té mais amiguinhos quem quiser que me acompanhe tô me mandando pra Vênus planeta do amor, da beleza e do amor hm vai ser uma loucura.

[Da série Texto Velho Porém Pertinente, São Paulo, 1994]

O QUE PRECISO HOJE?



And if I could be who you wanted
If I could be who you wanted
All the time, all the time

29.9.04

QUARTAS-FEIRAS

Hoje não sinto nada nem dor nem alegria nem frio ou sono ou tristeza nenhuma paixão nem ódio nem mesmo aquela velha vontade de me jogar da janela defenestrar-me nada só vazio nem mesmo tédio angústia ou solidão como pode alguém sentir-se assim perplexo de olhos arregalados boca escancarada cheia de dentes que não mordem nada nem ninguém? é desesperador saber que a gente não está entendendo um catzo, nada de nada, talvez porque não há nada pra se entender, maldito dia vazio mas agora sim eu entendi esse ridículo mistério das quartas-feiras úteis repletas de máquinas batendo de cafés sendo feitos de adoçantes sendo pingados em xícaras também perplexas como eu tilintando de vazio e bode carimbado assinado e registrado em cartório digitado e datado em calendários absurdamente equivocados telefones aos berros de teclas piscantes relógios desconexos canetas rabiscando garrafas térmicas processos xerox copinhos descartáveis jogados no lixo recolhido pelas faxineiras junto com as nossas individualidades nossos ideais nossas vidas todo o nosso bom e mau humor tudo o que somos e sentimos só deixando esse vazio misterioso das quartas-feiras.

[Da série Texto Velho Porém Pertinente, São Paulo, 1994]

O FUTURO

Mas fazer o quê? aliás essa pergunta há muito me acomete fazer o quê? e o que é que pode fazer um homem comum nesse presente instante senão sangrar? e digo eu que não sei porque não sou paga pra isso, e mesmo que eu saiba não me cabe relatar aqui nestes modestos escritinhos que, em nome de Deus, servem apenas para tentar expor esse pequeno vazio que me acomete às terças-feiras misto de tédio e nada, de amor ou ódio ou ilusão nem expectativas ou segundas intenções nem planos ou sonhos, sei lá o que é que o mundo vai fazer amanhã, talvez continue girando pra direita como de costume ou talvez não amanheça ou quem sabe os relógios parem e o Congresso Divino decrete a aposentadoria dos astros a exoneração dos orixás a expulsão dos santos e dê cartão vermelho aos gnomos e forças da natureza e o árbitro celeste seja considerado corrupto e vendido só não dá pra xingar a mãe do juiz porque como todos sabem é uma santa e ninguém pode negar; ou pode, sei lá; o fato é que ficam assim revogadas todas as leis, cassados os direitos dos santos e seus feriados, papas orixás budas hindus monges tibetanos astros celestes e mestres sufis que sifodam, o sol e a lua que se casem ou melhor se amancebem como as estrelas e os planetas; que o eixo se desleixe o gelo se degele o sol fique desolado; quem venha do norte fique desnorteado como de costume; quem usa camisas com gola seja degolado; que os lápis fiquem desapontados com esse mundo mudado e desbundado e o que esteja certo fique deserto e quem se feriu fique deferido e quem não estiver com pressa que decorra ora bolas! o que está feito que não se ponha defeitos, quem é fino que se defina logo e quem é tabagista que se defume ou se defunte antes que sua geração se degenere e que seus filhos desfraldem as fraldas sujas do excremento extremo do espaço astral, onde quem não tem signo fica designado e desigual e quem não tem luz no olhar fique deslumbrado com a aurora do novo universo surgindo atrás do descortinado onde quem não for louco ficará deslocado em vista desse leque de novas possibilidades onde nada será como dantes e quem não pensar será então dispensado e quem não pagou o dízimo não será dizimado os carmas serão deslembrados e perdoados sem a mínima chance de serem cobrados porque todos os santos astros budas e orixás e etceteras serão sumariamente despedidos e dispensados pra que não mais nos torrem o saquelho, não tenhamos mais questionamentos ou divergências ideológicas ou teológicas causando apocalipses múltiplos a nível universal ou paraísos artificiais; sei lá o que é que pode acontecer amanhã, quem quiser que se mate e abandone o barco ou desça do bonde andando, mas quem viver verá e essa eu pago pra ver; até mesmo se não acontecer nada disso, nada de novo, nada de nada, ainda assim eu faço questão de ficar surpresa.

[Da série Texto Velho Porém Pertinente, São Paulo, 1994]

24.9.04

DELÍRIOS DE GRANDEZA DA MINHA AMIGA

- hoje eu fui ao shopping comprar roupa de lycra e tenis pra fazer ginástica. Acho que isso me emburreceu.
- mas pra que menina, vai fazer acadimia?
- vou, é em frente a minha casa
- hmm
- se eu nao for inteligente pelo menos vou ficar gostosa!!!
- hahaha
- vc nao vai aguentar... nao pague 6 meses
- vou pagar so 3, daí vou ficar loira e linda, ai sim
- fique loira, linda e monte uma banda com outras riot girls
- loira, linda, gostosa. Vou fazer maquiagem definitiva, bronzeamento artificial...
vou comprar umas roupas da diesel, pedir emprego de estagiaria na trip e posar pelada!!!
- ai sim seu futuro esta garantido
- êêêê! plano de carreira!!!
- é, começa assim, levantando uns pesinhos
- dinheiro, fama, jatinhos, iates, diamantes... miami, milão
- vou comprar uma cobertura num prédio bem novinho, cheio de vidro fumê, e um cachorrinho tipo "pug"... ah! e jogar fora estes gatos sarnentos e fedidos
- e principalmente seu porquinho da india caolho
- é, nada de coisa esquisita: só luxo e glamour
- nada de coisa esquisita vai ser o dificil
- decoracao neo-classica
- misturada com rococo
- isso, e vou comprar aquela casa de atibaia
- e umas cadeiras de design anos 60
- daí vou vestir um vestido bem bonito estilo "frente única". Na nuca eu tatuarei umas estrelinhas
- tamancos de acrilico no´pé
- pulseiras doiradas
- iupi! adorei tamanco de acrilico... ah! e vou fazer alisamento japones!!!
- haahahahahahahaha pra que, vc já é japonesa

22.9.04

BOAS NOVAS

Um de nossos esquizoídolos, Gloria Trevi, acaba de ser inocentada da acusação de corrupção e abuso de menores e de rapto. Segundo o jornal mexicano El Universal, em declarações feitas nesta segunda-feira Gloria disse que não se sente arrependida pelos cinco anos que passou na prisão e que foi o seu filho, Ángel Gabriel, que lhe deu forças para continuar enfrentando a sentença. Não falei, Mário Mendes? Novela mexicana sempre tem final feliz.

20.9.04

Once In a Lifetime

Fui apresentada tardiamente à banda Talking Heads quando ela já tinha se dissolvido e isso já faz quinze anos. Foi um caso de paixão à primeira audição. Para a época, a fusão de ritmos negros e latinos era algo muito novo, em contraponto à dureza do rock punk e new wave, que dominavam a cena 80s. A carreira solo do vocalista David Byrne só acentuou o lado experimental, a busca por novos ritmos, e produziu discos como o excelente Rei Momo, recheado de mambos, sambas e outras latinidades. Era ouvir e sair dançando. Ele também foi responsável pelo lançamento, no exterior, do então esquecido pela mídia Tom Zé. Apesar de toda essa empatia, o Brasil nem sempre é ponto obrigatório de suas turnês. Por isso a importância do show em que ele apresenta seu novo CD, Grown Backwards, sem deixar de tocar algo do repertório dos Talking Heads, como 'Road To Nowhere' e 'Once In a Lifetime'.
 
O ex-líder do Talking Heads apresentou na última quinta-feira um show impecável, misturando velhos hits da banda a um excelente repertório de canções do disco Grown Backwards. Ao contrário da última turnê que o músico fez no Brasil (The Visible Man), cheia de efeitos visuais e trocas de roupa - algumas bem esdrúxulas e teatrais - este show marcou pelo figurino sóbrio (uma elegante farda marrom) e atuação minimalista de Mr. Byrne. Não menos inovador no entanto, mostrou seu talento ao transitar por antigas canções, velhos compositores e novos ritmos, combinando em um mesmo show a canção francesa 'Au Fond du Temple Saint', de Georges Bizet, o rock nervoso de 'Psycho Killer' e a ária 'Un di Felice, Etérea', da La Traviata, de Giuseppe Verdi.

As novas composições, mais complexas, melódicas e com arranjos para sexteto de cordas (a ótima The Tosca Strings, quatro violinos e dois violoncelos), percussão, baixo, bateria e guitarra, até que foram bem assimiladas pelo público da casa. Mas o Tom Brasil ferveu mesmo aos primeiros acordes do clássico 'Road to Nowhere', do disco Little Creatures. A platéia, em sua imensa maioria na casa dos 40 anos, cantou e chegou a ensaiar umas dancinhas quase empolgadas em meio às mesas que lotavam a pista; porém a maior parte do tempo ficaram sentados, apenas apreciando as reboladinhas afetadas do escocês.

Por sinal, a nota destoante da noite foi o comportamento lamentável do público. Entre uma música e outra e até mesmo durante, o burburinho de vozes na platéia era incessante: conversinhas paralelas, cantadas baratas, discursos embriagados, gritos mal-educados, nada disso parecia ter fim. Um incidente isolado é uma coisa que acontece. Mas o que vem sendo cada vez mais comum nas casas de show de São Paulo é uma total falta de respeito de parte do público para com o artista e as pessoas que estão ali para apreciar um espetáculo por completo e não apenas para ver o 'cara daquela banda que tocava aquelamúsica' enquanto aproveita pra 'xavecar umas minas'.

Palmas: para o som da casa
Vaias: para o consumo excessivo de uísque

17.9.04

GRITO PRIMITIVO

A esquizofasia apóia, desde sempre, o direito sagrado de todo ser humano de mandar todo mundo tomar no cu.

Inclusive o Cláudio Assis.

CANTADAS PERNAMBUCANAS Nº 2465488

- Garota, eu lhe amo. Se eu soubesse teu nome, numa rifa eu jogaria.

(protagonista da cena: um impagável caruaruense atingindo 5 pontos na escala richter etílica, se declarando pra uma garota que acabara de conhecer, cujo nome eu também desconheço)

11.9.04

NALGUM LUGAR

Nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio

No teu gesto mais frágil há coisas que me encerram
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a primavera abre
tocando sutilmente, misteriosamente
a sua primeira rosa

Ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte

Nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua intensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

Não sei dizer o que há em ti que fecha e abre,
só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas:
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas...

9.9.04

SÃO PAULO NÃO PODE PARAR!

Vento
Velocidade: 0 Km/h
Direção: 0° (Calmo)

CELACANTO PROVOCA MAREMOTO?

"Celacanto provoca maremoto" foi uma pichação bastante popular nos anos 70, primeiro no Rio de Janeiro e depois (como de costume) no resto do país. Algum jornalista achou intrigante aquela frase aparentemente sem sentido e achou que daria uma matéria de comportamento (a ausência de valores da juventude, os novos códigos e as novas mídias, o discurso vazio de uma geração alienada do debate político, etc.). Enfim, virou assunto, e com isso a frase (e suas implicações, em termos de possibilidade de linguagem nos muros da ditadura) se espalhou mais rapidamente pelo país. Os mais rasos viram na frase uma previsão cabalística, "o mundo vai acabar e eu não vou nem ficar sabendo que porra é essa!" Matérias de jornal revelaram que os muros marcados com a pichação do celacanto indicavam pontos de venda de drogas. Mas a verdadeira chave do celacanto era bem mais simples."

Saiba de toda a verdade aqui.

8.9.04

JABÁ SUPREMO: BANDAS QUE VOCÊ PRECISA OUVIR

_Abimonistas
_Daniel Belleza e os Corações em Fúria
_Mombojó
_Junio Barreto
_Ortinho
_The Books

Tudo amigo, mas tudo bom pra caralho. Se joga!

APRENDAM COM O MESTRE

Millôr afirma que humor ''não é ser engraçadinho, não é ser a vida da festa, o contador bem-sucedido de piadas em cadeia (ocasionalmente isso vale, mas só ocasionalmente); humor é, sobretudo, mau humor''. O fato de o humor ser mostrado como ''a quintessência da seriedade'' em vez de uma promoção da campanha do ''sorria sempre'' assegura, assim, o seu papel ideológico e profissional.

3.9.04

É BOM SABER...

... que Wander Wildner, no disco Paraquedas de Coração, gravou uma cover de "Ganas De Vivir", do mexicano Juan Suarez. Esta canção pertence à trilha do filme-cult-que-custou-apenas-7-mil-dólares El Mariachi, do Robert Rodriguez. A balada ["caminhando por la vida voy / pensando em um amor / em busca desse amor / com la ilusion de ver mi vida florescer/"] desce macia e reanima na voz rouca e portunhol capenga do nosso Tom Waits gaúcho.

ALIÁS
Só quem nao entende o que é punk-brega é capaz de não gostar da incrível cover da música "Dormi na Praça" do Bruno e Marrone que o tio Wander tem tocado nos shows.

SÓ PRA LEMBRAR
Falta CULTURA pra cuspir nas estruturas.