Há um dia
24.4.08
o destino me acomete
o rio que passa aqui embaixo
sempre correu para o mesmo lado;
e eu posso ir e posso voltar.
é o rio tão livre quanto eu,
ou serei eu preso no fluxo contínuo
como é o rio? *
ontem a terra tremeu e eu, embaixo dela, não senti nada. só tive uma vontade-ziiiiiinha de chorar duas vezes no final de um livro, quando sombra do menino envolve a dor que levaria para sempre. muitas vezes penso: o que foi que eu disse de errado? qual mancha eu deixei agora? então tento pensar nas coisas como se já fossem memórias, como um presente imperfeito, um futuro do pretérito.
mas puxa, todos tão bonitos e eu com esse medo. do futuro, do passado.
o que será que eu estava fazendo quando a terra tremeu? só soube mais tarde, como de costume: nunca estou presente nos grandes momentos da história. sempre distraída com algo, como naquela manhã sonolenta da queda das torres; como naqueles dias ótimos e hedonistas no reveillon do tsunami; e quando tudo foi embora naquele ano das águas que culminou com o rio mississipi levando em seu fluxo caixões, casas, entes queridos, anjos.
as coisas me chegam depois, já como histórias, «a menina morta», «o padre que se perdeu no mar numa noite de lua cheia preso a mil balões coloridos», «os ossos do polvo e o rei-peixe» e «como foi que eu cheguei aqui».
ou então chegam antes, como previsões, presságios, estúpidos prenúncios de apocalipse.
pois bem. entrando no inferno astral, este ano decidi jogar fora de vez qualquer bússola. afinal, não estarei, indo contra as previsões, apenas favorecendo as circunstâncias, como na lenda sufi? não saberei; nem dos perigos dos rios, nem dos fluxos, nem da segurança das pontes. pois, se for rio eu - peixe - nado, se for céu azul above us, te vejo, e se a terra tremer, eu danço.
* * *
("Obstinação em suas veias", Só o Abimonismo Salva, Abimonistas)
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