28.11.05

Claro que nós fomos

O balanço da redação da Trip do Claro que É Rock, visto do palco, da platéia e até do ambulatório

O ingresso era caro, o lugar fora de mão, o trânsito nas redondezas era digno de hora do rush paulistano em sexta-feira de chuva, o estacionamento dito 'oficial' mais parecia clandestino, com direito a carro atolando e congestionamento; a fila por uma cerveja era quilométrica, a noite era de gelar os ossos. Mesmo assim, valeu a pena para ver de perto Flaming Lips, Iggy Pop, Sonic Youth e Nine Inch Nails na mesma noite, entre uma corrida de um palco para outro. Aqui, os comentários de parte de nosso staff que assistiu ao Claro que é Rock - do palco (de penetra), do ambulatório, ou disputando espaço (e ar) na multidão.



Fantômas  Mike Patton não fez concessões e apresentou um show experimentalista, barulhento e absolutamente sem hits - mas o público se manteve ali, fiel (provavelmente formado mais por fãs do finado Faith No More do que por entusiastas do obscuro e esquisitão Fantômas, claro). Eduardo Fernandes, ex-editor do site e fã da banda, tentou explicar o show que ninguém aqui se arriscou a resenhar: “Não se explica com palavras. Você tem que ter passado sua vida ouvindo metal e trilhas sonoras de filmes de suspense. E conhecer o Jhon Zorn (o psicopata do jazz), claro”.


Flaming Lips
É, caros assessores da Claro... não adianta negar credencial que eu dou um jeito. Um velho truque (que convém manter em segredo) me colocou em cima do palco do Flaming Lips. Normalmente seguranças me escorraçariam, mas com aquele monte de gente vestida como bichos de pelúcia ficou fácil: “Sou amigo do Sapo ali...”. Bem, a resenha: há quatro anos que cubro música para esta Trip. Por conta disso, algo me perturba há tempos. Meu ouvido calejou de tanto show. É como se nada me emocionasse de fato. Gosto, me divirto, admiro, tudo certo... Mas achava que estava morta minha capacidade de deslumbramento com uma banda ao vivo. Santo Flaming Lips! Como um culto religioso de agnósticos convictos, Wayne Coyne, o pastor, fez a minha calejada cabeça flutuar. Não só a minha, é verdade. A pista lotada de gente que mal conhecia a banda se rendeu e foi arrebatada. Poupo-me de detalhar o som, para não cair nos clichês da “psicodelia” nem vou descrever os balões e bolhas que inundaram a platéia. O que interessa é que a banda conseguiu – indo na contramão de todo o rock cool de hoje em dia – nos lembrar de que há pouco tempo para ser feliz. Então, fica aqui registrado o milagre do carisma de Coyne em um dos melhores shows da minha vida: aleluia, Senhor. Eu ainda fico pasmo. - Bruno Torturra Nogueira, repórter da Trip

Do ambulatório, 23h45 - O show proporcionado por Wayne Coyne, o Willy Wonka dos indies, é assim, de fazer chorar criança crescida. Serpentinas, bexigas, bichinhos de pelúcia, e aquela bolha gigante passando por cima das nossas cabeças: uma experiência única. Mas faltou ar em meio ao mar de gente, portanto o jeito foi sair abrindo caminho rumo à brisa fresca da noite. O público, dócil e encantado pelo show, cedia espaço facilmente, como num sonho, ao som de "Race for the Prize". Os efeitos da lama em que se transformara o gramado e gelava os ossos já se faziam sentir enquanto o Flaming Lips mandava “War Pigs” do Black Sabbath. Câimbras fortes em uma perna, depois na outra. Tentando manter a dignidade, me dirigi calmamente ao ambulatório, único lugar seco para quem estava do lado oposto do lounge. “Senta aí”, sugeriu a enfermeira, sem ao menos se levantar, após tomar conhecimento da 'gravidade' do meu quadro clínico. Meus companheiros de infortúnio: um sujeito com camiseta do Ramones e chapéu-coco, que pediu uma aspirina e ficou falando ao telefone; e uma garota que bebia água tranqüilamente (fornecimento de água: grátis e rápido no ambulatório; R$ 3 no bar, fila de meia hora). - Eva Uviedo, coordenadora de mídias eletrônicas
Iggy Pop 
“We’re the motherfucking Stooges!” Assim começou a visceral apresentação da banda que deu à luz o punk, muito antes de o punk saber o que era ou de saberem o que era o punk. São Paulo 2005 virou Detroit 1969 e, conduzidos pelo transe ensandecido de Iggy Pop, todos pulavam e se entregavam ao som como se estivessem num clube sujo, apertado e esfumaçado da cidade dos motores. Como não se entregar àquilo, quando o vocalista de quase 60 anos se joga, dança e estupra amplificadores tal qual fazia aos 20? E eram os Stooges pelo amor de Deus! A banda que representa a energia mais suja e primitiva que o rock jamais teve. A formação era quase a original. Guitarra e bateria a cargo dos irmãos Asheton, só faltou o baixo de Dave Alexander – bem substituído pelo lendário Mike Watt. Em meio a uma infinidade de palavrões (fuckingBrazilmotherfuckercocksuckerfuckingsong), Iggy cantava os clássicos dos dois primeiros discos da banda. “Loose”, “I Wanna Be Your Dog”, “TV Eye”, “Funhouse” explodiam dos alto-falantes, bem alto, como deve ser em todo festival de música. “No Fun”, com os fãs dançando no palco, depois de o invadir, a convite de Iggy, foi inesquecível. Não dá para explicar direito o que aconteceu. Foi apenas cru. Algo para ser sentido e ouvido, não contado. - Filipe Luna, repórter da Trip
De volta à enfermaria, 0h41 - Pico crowdeado. A performance esquizofrênica do Stooges lotou o ambulatório e deu trabalho para as amigas enfermeiras. Os bombeiros chegavam carregando roqueiros inertes e de All Star enlameados. “Ele está vomitando sangue” – exagerava o populacho. Duas garotas embriagadas chegaram, carregadas, ao som de “Not Right”. E um contundido não parava de exibir, empolgado, um fio de cabelo branco, comprido, “arranquei do Iggy Pop”. Farta distribuição de aspirinas para indies de ouvidos sensíveis. - Eva Uviedo, coordenadora de mídias eletrônicas

Sonic Youth
E lá surge Kim Gordon, a mulher mais classuda do rock (se cuida PJ Harvey), do alto dos seus 52 anos, sussurrando “Patter Recognition”, música do último CD da banda, Sonic Nurse. Vinte anos depois o Sonic Youth ainda se reinventa e faz o que bem entende. No lugar de um set list para agradar fãs, repleto de sucessos, como foi o show do Free Jazz em 2000, uma apresentação introspectiva, fiel à sonoridade dos três últimos álbuns do grupo. Deles, vieram também “Ummade Bed” e “Empty Page”. A banda seguiu trocando dissonância por melodia (e vice-versa) em poucos acordes, como só eles fazem. Show para quem gosta distorções, microfonia e introspecção. Não deu para pular, não era show para dançar, mas para assistir Thurston Moore, Lee Ronaldo e Gordon tirando ruídos de suas guitarras. O som estava baixo? Sim. Faltaram músicas? Muitas – “Dirty Boots”, “100%”, “Sugar Kane”, mas “Teenage Riot” estava lá. Ainda assim, era o Sonic Youth. Precisa mais? - Bruna Bittencourt, repórter do site da Trip
Saideira, 1h30 - O ambulatório bombava de gente, muitos apenas cansados, no fim do show do Sonic Youth. Duas pessoas deitadas no chão do lugar, se recuperando da bebedeira, balançavam o pé no ritmo de  “Teenage Riot”. Pela espaço do festival, os sinais do cansaço: dezenas de pessoas sentadas ou deitadas em plásticos sobre a lama fria. As enfermeiras sentadas na maca pareciam não se emocionar com nada: “Ainda tem mais um show?? Às 3 horas vou embora daqui”. Bem, eu já estou indo, fazer um escalda-pés. - Eva Uviedo, coordenadora de mídias eletrônicas
Nine Inch Nails
O que você faz quando está deprimido? Assiste a filmes água-com-açúcar escondido debaixo das cobertas? Fica ouvindo Robertão ou Odair José (até um Tim Maia, se a dor for de corno)? Isso é o que o homem comum faz. Trent Reznor não. Ele faz barulho. Tá bom, ele faz música, algumas muito bonitas, mas é tudo barulhento demais. Pelo menos ao vivo é. Foi uma zoada desgraçada, o som muito mais alto do que em todos os shows anteriores. Aquela techneira-rock’n’roll-metaleira-deprimida pipocando e fazendo uns baterem cabeça, outros correrem para casa. Show de luzes estilo Hollywood e um pobre de um guitarrista que corria de um lado para o outro fingindo ensandecimento. Para quem tinha visto Iggy Pop, não passava de pose – precisa treinar mais na frente do espelho. A melhor música do show foi “Closer”, disparado, porque era a única suportável. Disseram que “Hurt” foi linda, mas eu estava cansado demais para agüentar tamanha tristeza e fui embora. Poxa, tá deprimido, chora sozinho em casa. Precisa perturbar todo mundo? Cara inconveniente...  - Filipe Luna, repórter da Trip

Fotos por: Loana Silva Pinto (Sonic Youth), Bruno Torturra (Flaming Lips) e Thais Rabay (Fantomas)

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