2.10.04

(sem título)

Afobado, precipitava calmaria. Tropeçava na lentidão de sua pressa. Era canhoto de pirraça. Veio para ter alguma serventia à tristeza. Depositava suas camisas sujas em conta-corrente. A economia da vida era inflação da morte. As dívidas encareciam seu tempo. Os pombos não tinham pudor com seus cabelos. Suas insistências estavam todas falidas. Na sala, as manchetes eram jornais esquecidos. Sua dor por correspondência extraviava mesmo no sedex. Viver é longe.

Observava aquela pessoa ao seu lado e segurava seus dentes nas palavras para não reclamar. Teu corpo não funciona como eu vi na propaganda da televisão. Este mesmo aparelho que lhe perseguia os dias. Na janela, ainda que não admitisse, esperava que sua avó ficasse enjoada de estar morta. Era um espanto, conhecendo-a como era, ainda não ter reclamado do caixão. E já fazia muito tempo que esperava. Nos olhos escondia a fertilidade da lágrima com a secura dos segredos. Ele sabia o segredo mas não revelava nem a si próprio. Desempregou o elevador e atendeu ao anônimo que tocou no interfone num pulo direto.

[http://www.cabezamarginal.org/ - Vítor Freire]

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