Meus pés sonham suspensos no Abismo 
minhas cicatrizes se rasgam na pança cristalina 
eu não tenho senão dois olhos vidrados e sou um órfão 
havia um fluxo de flores doentes nos subúrbios 
eu queria plantar um taco de snooker numa estrela fixa 
na porta do bar eu estou confuso como sempre mas as 
galerias do meu crânio não odeiam mais a batucada dos ossos 
colégios e carros fúnebres estão desertos 
pelas calçadas crescem longos delírios 
punhados de esqueletos são atirados no lixo 
eu penso nos escorpiões de ouro e estou contente 
os luminosos cantam nos telhados 
eu posso abrir os olhos para a lua aproveitar o medo das nuvens 
mas o céu roxo é uma visão suprema 
minha face empalidece com o álcool 
eu sou uma solidão nua amarrada a um poste 
fios telefônicos cruzam-se no meu esôfago 
nos pavimentos isolados meus amigos constróem um manequim fugitivo 
meus olhos cegam minha mente racha-se de encontro a 
uma calota minha alma desconjuntada passa rodando 
Roberto Piva - 
Paranóia (1963)