Há 6 horas
18.5.11
farol no mar da incerteza
Quando soube que meu pai tinha levado, nos seus últimos trinta anos, uma vida dupla, sucumbi à curiosidade e averiguei o nome de sua outra mulher e o endereço do seu outro lar. Toquei a campainha com uma desculpa qualquer – uma inspeção da companhia de seguros, ou algo assim – e uma mulher alta e equina me convidou a entrar. Na hora não pude acreditar no que via: o interior daquela casa era uma réplica perfeita daquela que havíamos compartilhado meu pai, minha mãe e eu; os mesmos móveis, os mesmos sofás, com o mesmo estofamento, distribuídos exatamente da mesma forma, e até os mesmos quadros, os mesmos pratos de porcelana e as mesmas esculturas de gesso.
De volta à casa, aquela noite, me dediquei com malévolo prazer a desordenar os móveis e a revolver as coisas nas estantes. Minha mãe acompanhava perplexa meus movimentos, mas eu não lhe disse nada da minha visita, e jantamos em silêncio.
De repente, lembrei me da vez em que, ainda menino, quebrei o jarro chinês que flanqueava o divã. A zanga do meu pai, ao saber do acidente, me pareceu, naquele momento, desproporcional. Agora, podia entendê-lo. Podia inclusive imaginá-lo no dia seguinte, destruindo, propositalmente, o jarro igual, só para conservar a simetria com o seu outro lar.
[Eduardo Berti. Traduzido por Patrícia Melo // via Dias felizes]
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