"É, e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é"
(Guimarães Rosa)
"Nada vai mudar" anuncia o homem do tempo, protagonista do filme, em uma das primeiras cenas. E é lançando um olhar de estranhamento sobre coisas que não mudam - como o sertão e a falta d'água, estruturas familiares, disputas de poder e destinos já traçados - que o cineasta Lírio Ferreira costura seu “bangue-bangue existencial científico-musical”, como ele mesmo define.
O tempo e o olhar são, na verdade, personagens centrais desse road movie de diversas viagens, reais e figuradas. Jonas (Gulherme Weber) - o homem do tempo - estrangeiro em sua própria pele, retorna às origens em Vale do Rocha - onde o tempo parou - para enterrar seu pai, assassinado. Seus amigos (o trio formado por Selton Mello, Mariana Lima e Gustavo Falcão) embarcam junto, mas cada um em sua viagem de destino vago, hedonista e emaconhado; e Soledad (Giulia Gam), documentarista pseudo-intelectual, roda o sertão em busca da relação entre a água e o poder; e se deixa seduzir pela conversa de Meu Velho (Zé Celso), profeta da água milagrosa e viagem mística-astronômica-apocalíptica, que dá a deixa: "o olhar é a luz que sai do olho". E ao derramar um olhar atento aos detalhes que compõem delicadamente cenas e personagens, descortina-se uma outra história - conduzida pelo índio Zé Elétrico (José Vasconcelos) - que flutua acima do pequeno drama de Jonas e sua família. A história das coisas que estão ali e ninguém consegue ver: pedras, paisagens, memórias, tramas.
No mais, a trilha sonora, que alterna Renato & seus Blue Caps e Os Pholhas com a nova safra de música pernambucana, entra no clima western do filme e bem se mistura com música ‘brega’, de puteiro. A fotografia, a cargo de Murilo Salles, mostra um sertão feio, real, estranho, glauberiano, sem deslumbre, sem verniz, sem ilusão e sem folclore, sem jegue nem carcaça de boi. Autêntico: ''Isso aqui é, e não é. Mas está sendo''.
Árido Movie é um filme de contrastes: entre nuvens virtuais e reais, entre falta de água e excesso de informação, entre capital e interior; onde sertanejos são astutos e os caras da cidade grande, ingênuos. No meio de tantas referências, citações, relações e duplos-sentidos, pra entender, em uma palavra: olhe.
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