24.6.13

a rua e eu






Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua.

João do Rio, em 'A alma encantadora das ruas'
fotos Daido Moriyama

23.6.13

dois


se todos na terra reconhecerem a beleza como bela
dessa forma se pressupõe a feiura.
se todos na terra reconhecerem o bem como o bem,
deste modo se pressupõe o mal.

a existência e a inexistência geram-se uma pela outra
o difícil e o fácil completam-se um ao outro
o longo e o curto estabelecem-se um pelo outro
o alto e o baixo comparam-se um pelo outro
o som e o tom são juntos um com o outro
o antes e o depois seguem-se um ao outro

portanto
o homem sábio realiza a obra pela não-ação
e pratica o ensinamento sem dizer nada

os dez mil seres agem, mas não para se realizar
iniciam a realização mas não a possuem
concluem a obra sem se apegar
e justamente por realizarem sem apego
não passam.


- tao te king, lao tzu